quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Despedida

Olá sofá manchado de café. Olá assoalho opaco. Olá janela, cortina, flores secas no vaso de cerâmica. Olá. Minhas mãos corriam os móveis aconchegantes no meu apartamento do quinto andar. Aconchegante era a palavra certa, meu a palavra errada. Não entendo o motivo mas era uma despedida triste. Os meus passos silenciosos sobre o tapete, o vento frio e audacioso sacudindo meus sonhos presos na rede entre o círculo, o sol entrando sorrateiro pela janela colorida de anilina, as lembranças em sépia que invadiam minha mente em cada cômodo: o adeus que continha uma tristeza incompreendida. Era suave a sensação de estar segura. Suave, prestes a se desmanchar.
Afinal, o que eu estava fazendo ali mesmo? Eu vim dizer adeus. Despedir-me das taças de vinho, da pipoca no sofá, das marcas de sol no chão de madeira, dos quadrinhos de flores da parede da cozinha. Nunca imaginei que teria de vir me despedir. Achei que seria um alívio mudar. Mas durante todos esses anos de trabalho árduo para crescer, para ver meus objetivos na linha do horizonte e não nas nuvens de sonhos, o mais feliz foi voltar pra casa e vê-la me receber de braços abertos. Felicidade era saber que lá era meu lugar.
Eu tinha um lugar novo agora. Amplo, bem projetado, harmonioso, moderno, central, digno da mais pura elegância. Era meu presente. Achei que merecia já que, esperava eu, havia conquistado o que sempre quis. Eu era bem sucedida. Eu estava feliz na minha realização, na profissão que era... Um sonho? A realização de um sonho? O auge da minha vida? Será que era realmente esse? Eu perguntava-me, instigada, sentada na cama, aquela colcha de retalhos, de frente para a janela, as flores lá embaixo. Não havia bosque ou flores no centro. Minha nova vida era lá. Não havia paz, ou sol no centro. Minha nova vida era lá.
Eu me senti um pouco tola em perceber que na verdade tudo que eu queria era o que eu estava deixando para trás. As manhãs com cheiro de café e pássaros a cantar. As tardes pintando as paredes do quarto, porque verde musgo não parecia uma boa escolha.  As noites observando o céu sob as árvores do bosque lá embaixo. Agora que a mudança estava prestes a se tornar real, eu via o grande erro que havia cometido. Trocado o sentimento pelo tangível.
Quão irônico tudo isso parecia ser. Eu estava crente que subir as escadas rumo a um futuro promissor era apenas um pré-requisito, algo necessário para a felicidade. Na verdade, as escadas eram a felicidade. Cada degrau, um novo momento para sorrir. Eu não estava fascinada pelo objetivo, mas pelo rumo que ele havia me levado. Pela vida que acontecia enquanto eu tentava alcançá-lo.
Abracei as almofadas de veludo e senti pela última vez o cheiro de rosas. Adeus lar. Meu sussurro de saudades. Na sala estava, a última caixa que faltava, nela a máquina fotográfica e o quadro de desejos. Talvez eu pudesse voltar um dia. Tirei algumas fotos do lugar, do bosque, do papel de parede listrado. Tranquei a porta. Eu, a caixa, minhas saudades, meu adeus. Onde estará meu lar agora? “Nova casa”. Apaguei o desejo que ainda restava no quadro. “Novo lar”. Foi o primeiro da nova lista.

3 comentários:

  1. *estalos* *estalos* *estalos* *estalos*

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  2. Texto bom é texto cheio de alma. Como esse.

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  3. Retweetando o Vinícius(mesmo sem twitter). Camila Camila. Tantos escritores medíocres por aí, e você no anonimato - que, eu acredito, será temporário.

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