quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Era Apenas Um Teste Do Vento

Eu só estava pensando que talvez
Talvez o vento
Só estivesse lá para carregar as folhas
De leve
Fazendo aquele barulho reconfortante

O vento só estava lá para testar sua mente
Movimentar sua vida
O vento

Correndo, as pessoas estavam correndo
Correndo do vento
Que carregava as folhas de leve
Fazendo aquele barulho reconfortante

Poucos notaram o barulho do vento
Entre a buzina dos carros
Carregando as folhas, de leve
Poucos notaram

Eu, entretanto, perdi o horário
Porque fechei os olhos e me teletransportei
Com as folhas
De leve
No vento
O barulho
Reconfortante

Então eu respirei fundo
No vento
O barulho
Mas então COF COF

Eu tossi
Com aquela fumaça de cigarro
Aquele barulho das buzinas dos carros
Aquele cheiro de esgoto
A atmosfera cinza
Densa
O barulho?

Então eu corri
Como as folhas
Para não me atrasar
Não me atrasar para a vida

COF COF
Fez o fumante no ponto de ônibus.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Concha

Senti uma coceira perto do pescoço
Era o novo querendo entrar no meu pensamento
Todo bobo dizendo que trazia luz
Menti dizendo que não precisava
Quando na verdade não o queria
Eu mesmo estava no escuro
No escuro eu me encontrava

Eu estava meio tonta com o tempo
Que me trocou pelos fogos do momento
Rancorosa, construí um muro
Me encolhi e me escondi.
Eu vivi ali feito ermitão
Me alimentava das migalhas do chão
Os pássaros jogavam por gratidão

Pássaros eram amigos
Eu os deixava se esconderem atrás do muro
Quando os estilingues eram muitos
Eles eram meus olhos
Eram proteção além do nada
O nada era o lado de fora
Pois o dentro de nós é sempre maior e mais curioso

Enquanto os outros exploravam o nada além do muro
Eu descobria os calabouços dentro de mim
Havia alguns campos de flores e alguns parques
Porque ninguém vive de trevas até o fim

Nunca apareceu nada além dos pássaros
Do nada de fora nada veio e assim foi sendo
Nunca precisei ver além dos muros
Para saber que, tolos, todos estavam morrendo

Um dia os pássaros não vieram mais
Migalhas não mais caíram do céu
A fome veio e notei
Que era tempo de descansar
Sem olhar além da muralha
Deitei minha cabeça e esperei faltar o ar

Nunca quis ver o lado de fora
E não havia porque de no fim mudar
Dentro de mim eu era suficiente
E foi assim que resolvi terminar

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Bem vinda, culpa.

Na enorme e angustiante maioria do tempo eu sou inteiramente culpa e medo. Uma carcaça errante cheia culpa e medo de errar e sentir mais culpa e culpa e culpa. Assim, num circulo vicioso. Um ciclo conturbado de culpa e medo em que os passos são calculados e os sorrisos comedidos.
Como a maioria das coisas que se carrega por muito tempo, não me lembro quando, nem como adquiri tanta culpa dentro de mim. Só sei que se acumulou e com o passar dos dias acabei me acostumando. A culpa se tornou uma grande amiga. Uma amiga que me reconforta num abraço frio e melancólico de mim mesma. Como se, em baixo de uma cachoeira fria em um dia nublado, eu aconchegasse meus braços ao redor do meu próprio corpo e fechasse os olhos. Frio e melancólico. A culpa conforta, por ser só sua. Intrínseca. Mesmo que vários outros a tivessem alimentado e criado. Ela é só sua. Os transeuntes da vida não a podem tirar e tomá-la pra si. No meu caso, não podem nem ao menos ver. Não há motivos pra mostrar-lhes minha culpa. Já que esta é apenas minha. A minha culpa.
A culpa faz com que a vida seja uma busca eterna para se tornar útil, fazer-se bem vindo e confortável já que, de outra forma, tudo que se é não passa de um grande estorvo humano. Um corpo que se move na direção do nada, um corpo que os outros corpos suportam apenas por serem iguais. Ninguém quer se sentir lixo ou lama ou lixo na lama ou lama no lixo, um vazio de nada. Ninguém quer. Eu não quero. Eu não devo. Eu não posso.
Foi caminhando pela vida comum, carregando minha enorme culpa, que eu encontrei o medo. Isso foi há muito tempo. Ele me acompanha desde então. O medo e a culpa se dão bem. Parecem completos. Eles riem juntos, fazem brincadeiras, se divertem fazendo um alvoroço dentro de mim. Mas eu continuo quieta, porque a culpa, ela é minha, somente minha. E o medo? Bem, ele é amigo dela. Eu gosto que a culpa fique confortável. Por isso deixo o medo a lhe fazer companhia. Bem aqui, dentro de mim. 
Talvez se alguém disser as palavras certas e olhar bem fundo nos meus olhos, talvez assim, poderá ver a culpa lá dentro. Dentro de mim. Se examinar bem o meu semblante pálido de fina expressão, poderá ver o medo. No meu respirar calculado, no sorriso comedido, no estado de quietude, ali está o medo. A culpa que o trouxe. Eu deixo o medo ficar porque ele a faz companhia. Eu gosto de deixá-la confortável. Afinal, a culpa, ela é completamente minha.