Completei
minha xícara de café e me coloquei diante da janela. A tela branca perfurou a
paisagem do pôr do sol nas montanhas enquanto as tintas se misturaram ferozes
na paleta. Ainda havia muito tempo para pensar. Haveria outras telas e outras
paisagens do crepúsculo. Haveria outra eu, em algum lugar. Mesmo que a vida não
contribuísse para que todas essas coisas se encontrassem um dia. Mergulhei meu
pincel na tinta e pensei de quantas formas o vermelho intenso poderia se
dissipar em arte. Perguntei-me se eu teria coragem de fazê-lo molhar o branco.
Há muito
tempo a coragem me fazia perguntas. Ela entrava nos aposentos onde eu estava e
me encarava austera prevendo meu próximo ato covarde. Sempre me observando,
nunca tomando conta de mim. Seus desejos de libertação me enchiam de esperança
inundando minha mente de possibilidades. Quase um universo paralelo. Tão
próximo e tão impossível. A coragem ditava o ritmo e movia meus pés. Mas nunca
falava por mim. No fim, era eu e quando era eu, era sempre o fim. Mãos mortas
acompanhando o corpo na vertical, palavras mudas, olhos vagos, baixos,
covardes, pedantes, tristes...
Eu sei que
a coragem não vem de fora. Apesar de estar fora pra mim. Eu sei que aquela
coragem que me observa, não é minha. Ela não é nada. Eu sei. É um vulto de possibilidades.
A minha própria coragem ainda está perdida dentro de mim. Às vezes ela se
revela em choro de indignação, em pensamentos histéricos, desejo de
auto-afirmação, desejo de... vida. Mas só às vezes. Quando não, eu encontro
apenas o vulto que me encara, mostrando-me tudo que se pode ser quando se tem
coragem de enfrentar o mundo.
A minha
própria coragem, no entanto, ainda é tímida. É ingênua e inocente. Derrapa pra
dentro de mim e me deixa oca, sem saber como agir, porque não há impulso em mim
para o que é do sentimento. Então eu mesma caio dentro de mim e me deixo fraca.
Perdendo a essência do meu ser. Voltando as aparências... Aparência de quem
está satisfeita.
A falta de
coragem faz com que as pessoas concentrem-se no habitual. Então a vida passa e
lembramos que poderíamos ter sido mais ousados.
Tomei minha xícara de café, concentrando-me no que me é comum. Coloquei-me
diante de mim em pensamento: a arte. As tintas se misturaram rudes na tela que
não se encaixava na paisagem. Eu separei minha mente da minha mão e o pincel
tomou coragem por si mesmo.
Haveria
outras telas e outras paisagens do crepúsculo. Todas elas se encaixariam na
janela. Notei, porém, que nenhuma delas se encaixaria em mim. Mergulhei minha
mente na imagem sem sentido ali em frente. Pensando que talvez aquela arte, na
verdade, fosse eu quando imersa em meus pensamentos. Perguntei-me se um dia
teria coragem de ter coragem outra vez.