domingo, 27 de maio de 2012

Espaços

O maior erro talvez
Seja querer ver o mesmo sorriso
Em todos os rostos
E escutar as mesmas palavras
De todas as bocas

Espalhar a felicidade pelo ar
E esperar que todos a guardem pra si
Pois só é preciso respirar

O maior erro talvez
Seja acreditar que as pessoas podem ver
Tudo aquilo que um dia foi visto
E sentir tudo o que foi sentido
Porque isso tudo é apenas
Demasiado intenso e maravilhoso
Para ser só seu

Talvez o erro seja querer
Que todos sejam felizes
Inalem a própria felicidade
Aquela que combina com quem tem
Porque poucos conseguem

O erro é  também querer
Que outros absorvam
Uma felicidade que é sua
E que ninguém mais além de você
Conseguirá entender

Nem tudo que se respira pode ser absorvido

terça-feira, 15 de maio de 2012

Uma Tela de Coragem

Completei minha xícara de café e me coloquei diante da janela. A tela branca perfurou a paisagem do pôr do sol nas montanhas enquanto as tintas se misturaram ferozes na paleta. Ainda havia muito tempo para pensar. Haveria outras telas e outras paisagens do crepúsculo. Haveria outra eu, em algum lugar. Mesmo que a vida não contribuísse para que todas essas coisas se encontrassem um dia. Mergulhei meu pincel na tinta e pensei de quantas formas o vermelho intenso poderia se dissipar em arte. Perguntei-me se eu teria coragem de fazê-lo molhar o branco.
Há muito tempo a coragem me fazia perguntas. Ela entrava nos aposentos onde eu estava e me encarava austera prevendo meu próximo ato covarde. Sempre me observando, nunca tomando conta de mim. Seus desejos de libertação me enchiam de esperança inundando minha mente de possibilidades. Quase um universo paralelo. Tão próximo e tão impossível. A coragem ditava o ritmo e movia meus pés. Mas nunca falava por mim. No fim, era eu e quando era eu, era sempre o fim. Mãos mortas acompanhando o corpo na vertical, palavras mudas, olhos vagos, baixos, covardes, pedantes, tristes...
Eu sei que a coragem não vem de fora. Apesar de estar fora pra mim. Eu sei que aquela coragem que me observa, não é minha. Ela não é nada. Eu sei. É um vulto de possibilidades. A minha própria coragem ainda está perdida dentro de mim. Às vezes ela se revela em choro de indignação, em pensamentos histéricos, desejo de auto-afirmação, desejo de... vida. Mas só às vezes. Quando não, eu encontro apenas o vulto que me encara, mostrando-me tudo que se pode ser quando se tem coragem de enfrentar o mundo.
A minha própria coragem, no entanto, ainda é tímida. É ingênua e inocente. Derrapa pra dentro de mim e me deixa oca, sem saber como agir, porque não há impulso em mim para o que é do sentimento. Então eu mesma caio dentro de mim e me deixo fraca. Perdendo a essência do meu ser. Voltando as aparências... Aparência de quem está satisfeita.
A falta de coragem faz com que as pessoas concentrem-se no habitual. Então a vida passa e lembramos que poderíamos ter sido mais ousados.  Tomei minha xícara de café, concentrando-me no que me é comum. Coloquei-me diante de mim em pensamento: a arte. As tintas se misturaram rudes na tela que não se encaixava na paisagem. Eu separei minha mente da minha mão e o pincel tomou coragem por si mesmo.
Haveria outras telas e outras paisagens do crepúsculo. Todas elas se encaixariam na janela. Notei, porém, que nenhuma delas se encaixaria em mim. Mergulhei minha mente na imagem sem sentido ali em frente. Pensando que talvez aquela arte, na verdade, fosse eu quando imersa em meus pensamentos. Perguntei-me se um dia teria coragem de ter coragem outra vez.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Resoluções do Entardecer

Não se trata de fingir
A questão é sobre o que é importante
Sobre qual verdade vamos deixar se afogar
Sobre o mito do certo e do errado
Sobre o que decidimos deixar de lado

É uma longa jornada
Com milhões de passadas
E entre os rastros é necessário
Deixar mais do que apenas suor

É necessário deixar algum sangue
Alguma lágrima
Alguns conceitos imutáveis

É necessário retroceder
E voltar ao início
Sem remorso

Um dia ou outro antigo ciclo recomeça
É raro observar sem participar do tal
O grande repousar dos perdidos

O sol se põe majestosamente
Há um quê de mudança em torno das nuvens
Um cessar de esperança no mover das curvas
A natureza está aberta a negociações

terça-feira, 1 de maio de 2012

Dias Espaçados

Pensamentos são os furacões que movem meus atos
Mas o que eu digo são apenas os objetos que o vento não pode carregar
E mesmo o que eu faço é só um pouco de tudo que eu ousei pensar

A minha mente é cheia de lembranças que nunca aconteceram
E quando de repente eu posso tornar tudo isso real
Eu sinto a fraqueza da minha coragem, algo já natural

Estranho como tudo pode estar bem
Em um terremoto de verdades irritantes
Em um deslizamento de atos tão errantes

Um quase real viver
Porque a vida sempre continua
Num comportamento linear
É apenas difícil coincidir seus desejos
Com a impossibilidade de errar

Estando presa entre os fins e os começos
Sem se recompor entre tantos tropeços
É quase noite, o céu desaba
Um passo atrás, o mundo acaba.