Na enorme e angustiante
maioria do tempo eu sou inteiramente culpa e medo. Uma carcaça errante cheia
culpa e medo de errar e sentir mais culpa e culpa e culpa. Assim, num circulo
vicioso. Um ciclo conturbado de culpa e medo em que os passos são calculados e
os sorrisos comedidos.
Como a maioria das coisas que
se carrega por muito tempo, não me lembro quando, nem como adquiri tanta culpa dentro
de mim. Só sei que se acumulou e com o passar dos dias acabei me acostumando. A
culpa se tornou uma grande amiga. Uma amiga que me reconforta num abraço frio e
melancólico de mim mesma. Como se, em baixo de uma cachoeira fria em um dia
nublado, eu aconchegasse meus braços ao redor do meu próprio corpo e fechasse
os olhos. Frio e melancólico. A culpa conforta, por ser só sua. Intrínseca. Mesmo
que vários outros a tivessem alimentado e criado. Ela é só sua. Os transeuntes
da vida não a podem tirar e tomá-la pra si. No meu caso, não podem nem ao menos
ver. Não há motivos pra mostrar-lhes minha culpa. Já que esta é apenas minha. A
minha culpa.
A culpa faz com que a vida seja
uma busca eterna para se tornar útil, fazer-se bem vindo e confortável já que,
de outra forma, tudo que se é não passa de um grande estorvo humano. Um corpo
que se move na direção do nada, um corpo que os outros corpos suportam apenas
por serem iguais. Ninguém quer se sentir lixo ou lama ou lixo na lama ou lama
no lixo, um vazio de nada. Ninguém quer. Eu não quero. Eu não devo. Eu não
posso.
Foi caminhando pela vida
comum, carregando minha enorme culpa, que eu encontrei o medo. Isso foi há
muito tempo. Ele me acompanha desde então. O medo e a culpa se dão bem. Parecem
completos. Eles riem juntos, fazem brincadeiras, se divertem fazendo um
alvoroço dentro de mim. Mas eu continuo quieta, porque a culpa, ela é minha,
somente minha. E o medo? Bem, ele é amigo dela. Eu gosto que a culpa fique
confortável. Por isso deixo o medo a lhe fazer companhia. Bem aqui, dentro de
mim.
Talvez se alguém disser as
palavras certas e olhar bem fundo nos meus olhos, talvez assim, poderá ver a
culpa lá dentro. Dentro de mim. Se examinar bem o meu semblante pálido de fina
expressão, poderá ver o medo. No meu respirar calculado, no sorriso comedido,
no estado de quietude, ali está o medo. A culpa que o trouxe. Eu deixo o medo
ficar porque ele a faz companhia. Eu gosto de deixá-la confortável. Afinal, a
culpa, ela é completamente minha.
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