Eu estava com
lágrimas nos olhos quando ele foi embora. Lembro muito bem. Ele saiu caminhando
calmamente de mãos dadas com uma menina loira sorridente que usava vestidos
floridos. Lágrimas jorravam dos meus olhos opacos e pintavam meu rosto pálido
de preto. As muitas gotas escorriam carregando minha maquiagem escura e
mascarando minha mente obscura. As lágrimas levavam a solidão e a tristeza de
mim, deixando apenas ira e insanidade. Nos olhos escuros eu escondia a visão
perfeita daquele momento: urrando, eu corria e fincava uma estaca naquelas mãos
entrelaçadas num ato grosseiro e insano. Uma estaca (mal)feita com minhas
próprias mãos. Aquela que eu guardava na terceira gaveta da cômoda do nosso
quarto sujo e bagunçado, junto com alguns maços de cigarro e uns CD’s
pirateados que você comprou daquele seu amigo nojento cheirador de pedra. Para
que guardar uma estaca no quarto? Bem, aí estava sua resposta.
Como eu
queria que aquilo estivesse acontecendo. Eu queria ver, eu queria sentir a
estaca perfurar lentamente a mão dele e daquela pequena ovelhinha branca. Eu
queria ver as farpas resultantes da minha pouca habilidade como artesã ferirem
a pele macia e hidratada da sua nova namorada. Queria sentir o cheiro do sangue
escorrendo por aquelas unhas feitas e observar o líquido sujar seu lindo
esmalte rosa bebê. Eu queria ver o terror estampado nos rostos felizes dos dois
amantes. Queria ouvir o grito de dor. Queria ser tentada a sentir pena.
Naquele
momento, mais que tudo na vida, mas do que um dia quis que você não tivesse ido
embora, eu queria, do fundo do meu coração, que ambos estivessem mortos. Bem
ali na minha frente: mortos. Os corpos deitados, as duas cabeças numa única
poça de sangue, um olhando para o outro. As mãos eternamente dadas com o auxílio
do meu artefato de madeira. Descansando para sempre com a lembrança dos olhos
do outro a morrer ao seu lado.
Eu enterraria
os corpos, então, e não choraria uma lágrima pela morte dele. Gastaria o
dinheiro idiota que ele havia deixado na minha casa convidando os amigos
nojentos dele para comemorar a sua morte. Estariam todos bêbados ou drogados
demais para lamentar. Eu teria uma overdose naquela noite com a esperança de
jamais acordar de novo. Não me importaria morrer porque não havia nada a
perder. A única coisa que me sobrava nesse mundo imundo estava caminhando para
longe de mim sorrindo para uma garota que não se parecia nem um pouco comigo.
Foi
assustador como a revelação do nada que eu vivia fez com que meu choro parecesse
um grito desesperado. Lembro-me de ter visto a nova senhora Torres olhar
levemente para trás, desviando o seu olhar e me encarando. Lembro-me de você
ter acompanhado o olhar dela e murmurado qualquer merda que não me interessava.
Lembro-me de os dois dando-me as costas novamente com uma expressão clara de
pena nos rostos. Naquele momento, então, mais que vê-los sem vida, mortos e
enterrados, eu mesma queria matá-los. Queria ver a vida sumir dos seus
semblantes alegres e, com uma vontade que ardia nos meus olhos, queria que a
culpa fosse minha.
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