domingo, 13 de novembro de 2011

Suave Felicidade

Era um dia bonito. Depois de tanta chuva e vento, os céus haviam se acalmado. Agora, restavam como vestígios de tempestade, apenas as pequenas poças de chuva ao longo da rua, servindo de espelho para o céu azul que reinava: soberano e protetor. O sol mostrava seus primeiros raios no horizonte. Brilhava tímido, procurando espaço entre os edifícios modestos, mas ao mesmo tempo imponente por clarear, com seu brilho de astro rei, todo cenário já nas primeiras horas manhã.
Junto ao canto dos pássaros ecoavam na rua deserta passos descompassados. Nos cabelos curtos um laço, nas costas uma mochila velha e surrada, nos pés duas sapatilhas que tentavam se equilibrar, em uma caminhada bamba sobre o meio-fio. Talvez fosse uma menina. Talvez já fosse uma mulher. Não há como saber. Os olhos seguiam baixos, compenetrados em alguma busca imprescindível.  Possuíam um quê de preocupação e uma profundidade repleta de incertezas. Os olhos a faziam mulher.
Enquanto caminhava e movia seus braços à procura de equilíbrio ela cantarolava uma melodia sem indícios de ter fim.  Algumas vezes parava de cantarolar e apenas sorria, voltando logo em seguida à sua música, única companheira. Outras vezes interrompia seu cantar de forma abrupta e irrompia em gargalhadas que a faziam perder o equilíbrio das sapatilhas e a preocupação dos olhos. Sua mente de sonhos e sorrisos a fazia menina.
 Ela seguia o caminho tortuoso das calçadas quebradas parecendo decidida sobre onde deveria chegar. Ao mesmo tempo, entretanto, parecia não saber como. E assim continuava seu rumo, aparentando não se importar. Ao redor, iniciou-se a dinâmica de todo os dias. As pessoas começaram a sair de suas casas e tomarem seus caminhos, seja lá para onde esses as levariam. A menina (ou mulher) continuava alheia sem perceber qualquer movimento do mundo externo. O que era de fora não a interessava. Assim como não a interessava aqueles que não entendiam o que havia dentro dela, mesmo com seus olhares de pena ou de chacota.
O dia se estendeu em seu curso natural e em algum momento das 24 horas a menina, em sua caminhada incomum, chegou a uma praça, um oásis em meio aos prédios. Havia várias árvores e algumas pessoas. Um parque, muita grama e bancos mal cuidados. Parecia um bom lugar para fazer um lanche. A garota sentou-se na grama e, sem cessar seu cantar, retirou uma garrafa de água, um caderno e alguns biscoitos de dentro da mochila. Comeu os biscoitos, tomou a água, fez alguns rabiscos no caderno. Acompanhou as formigas em sua busca por comida deixando algumas migalhas no formigueiro. Como ela queria poder ser pequenina e genial como as formigas. Ser formiga para cortar as folhinhas verdes e mover as anteninhas para achar o formigueiro. Construir galerias dentro da areia e viver em comunidade com as outras formigas.
Enquanto isso, no outro lado do parque, entre a árvore de galhos caídos e os muros altos de alguma fábrica, o sol começava a se recolher. O céu pintava-se de laranja e rosa recepcionando a noite que logo chegaria. Esfriou e a menina, encostada na árvore junto ao formigueiro, pegou de dentro da mochila um casaco e um cobertor revelando os doces que ela agora se lembrava de ter colocado ali. Não havia mais ninguém no parque, mas o movimento constante das ruas nos arredores e o barulho do vento batendo nas folhas davam a ela a sensação de segurança que só se tem em casa.
Quando a noite caiu, ela tirou suas sapatilhas e seu laço, guardou-os na mochila e tomou um gole de água. Dividiu os doces com as formigas e sorriu para elas enquanto murmurava sua canção da vida. Os olhos da menina piscaram sonolentos e as formigas recolheram-se para dentro do monte de areia desejando boa noite. Ela recostou-se na árvore com a mochila nas costas e fechou olhos. De olhos fechados ela cantarolou até o sonho chegar. Não se sabia se estava dormindo ou sonhando acordada, tamanho o sorriso que iluminava seu rosto.
           Então a noite foi tornando-se cada vez mais escura até não se poder mais ver o sorriso da menina de cabelos curtos e olhos reveladores, tamanho o breu que imperava misterioso num céu sem estrelas.

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